
O secretário de Educação de São Bernardo do Campo parece ter descoberto o “milagre” da alfabetização instantânea. Segundo postagem recente nas redes sociais, 41% dos alunos das turmas multisseriadas teriam sido alfabetizados em apenas quatro meses. Na legenda da publicação, escreveram: “a quanto tempo estavam no ensino fundamental sem alfabetização?”.
Pois bem, vale o lembrete básico: Secretário, as pessoas alfabetizadas de São Bernardo do Campo sabem que este “A” é um verbo, portanto é com H: “Há quanto tempo estavam no ensino fundamental sem alfabetização?”. Seria bom avisar sua assessoria. Vamos cuidar da escrita, Secretário, antes de transformar trabalho docente em propaganda de gestão.
O que a postagem apresenta como resultado extraordinário é, na verdade, reflexo de um trabalho contínuo e intencional desenvolvido há anos pelos professores da rede municipal. Todos os anos, os docentes realizam uma avaliação diagnóstica interna, construída coletivamente a partir do Projeto Político-Pedagógico de cada escola. Essa avaliação revela o ponto de partida das turmas e orienta o planejamento das práticas pedagógicas.
A partir daí, o acompanhamento é constante: os conselhos de ano, realizados três vezes ao longo do período letivo, permitem avaliar o processo histórico de aprendizagem, registrar avanços e ajustar estratégias — tudo com base na experiência acumulada e no compromisso com o desenvolvimento dos alunos.
Portanto, os números divulgados agora não são um fenômeno novo, mas a consequência direta do trabalho docente intencional e articulado entre a Educação Infantil, o 1º e o 2º ano do Ensino Fundamental.
O que o secretário chama de “avanço” é, na verdade, resultado do esforço cotidiano de educadoras e educadores que, mesmo diante da sobrecarga, constroem práticas que despertam a curiosidade, o gosto pela leitura e o prazer de aprender.
O desprezo histórico ao trabalho docente na rede municipal se evidencia quando se tenta apagar essa trajetória coletiva. Basta olhar para os próprios indicadores oficiais: o município apresenta 95% de sua população alfabetizada a partir dos 15 anos de idade, segundo o IBGE.
E ninguém se alfabetiza no Ensino Fundamental II, Secretário. Esses números são fruto do trabalho paciente, responsável e dedicado de professoras e professores da rede municipal, que garantem o direito à alfabetização desde os primeiros anos escolares.
Mesmo assim, a gestão tenta transformar esse trabalho em vitrine política. Há, sim, o que se chama de “formação”, realizada no CENFORPE durante o horário de HTP (Hora de Trabalho Pedagógico), tempo que deveria ser destinado ao planejamento de aulas, à organização de materiais, aos registros e às reuniões pedagógicas nas escolas com os coordenadores pedagógicos.
Em vez de fortalecer o trabalho coletivo e a autonomia docente, essas formações centralizadas acabam afastando os professores do espaço onde a prática pedagógica acontece de fato: a escola.
Formação de verdade é aquela que nasce do chão da escola, do diálogo entre pares, da escuta entre professores e coordenadores e da construção conjunta de saberes — e não de encontros impostos de forma padronizada, distantes da realidade e da diversidade da sua turma específica.
Enquanto o chão da escola lida com professores adoecidos, salas cheias, jornadas exaustivas e falta de reconhecimento, a gestão tenta vender “resultados” de gabinete. É o velho problema das estatísticas que incluem o que convém e excluem o essencial: o trabalho docente, a autonomia pedagógica e o respeito à escola como espaço de construção coletiva.

