A primeira vez em que uma proposta de confisco de propriedades flagradas com trabalho análogo ao escravo foi apresentada no Congresso Nacional foi em 1995, mesmo ano em que o governo brasileiro reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de formas contemporâneas de escravidão no país e da criação do sistema público de combate a esse crime. Desde então, mais de 46 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo.
No mundo, a estimativa da OIT é que sejam, pelo menos, 20 milhões de escravos. Na zona rural, as principais vítimas são homens, entre 18 e 44 anos. As atividades econômicas em que o trabalho escravo mais tem sido encontrado na zona rural são pecuária bovina, desmatamento, produção de carvão para siderurgia, produção de cana-de-açúcar, de grãos, de algodão, de erva-mate, de pinus. O Maranhão é o principal fornecedor de escravos e o Pará é o principal utilizador. Nas cidades, a incidência é maior em oficinas de costura, no comércio, hotéis, bordéis e em serviços domésticos. No campo e na cidade, registram-se casos na construção civil.
Em 28 de janeiro de 2004, durante uma fiscalização rural de rotina, três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados na cidade de Unaí, no Noroeste de Minas Gerais. Devido à comoção popular gerada pelo assassinato, a proposta foi aprovada em primeiro turno na Câmara em agosto daquele ano.
Depois de 15 anos de debates e esperas, no dia 27 de maio passado, o Senado Federal aprovou a PEC do Trabalho Escravo (Emenda Constitucional 57A/1999) que prevê o confisco de propriedades em que esse crime for encontrado e sua destinação à reforma agrária ou a programas de habitação urbanos. Ela já havia sido aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados em 2004 e 2012.
Por ser uma PEC, ela não precisa de sanção presidencial e passa a valer após sua promulgação, realizada no dia de hoje, 5 de junho, em meio a uma grande comemoração com a presença de personalidades políticas, sociais e aristas de renome.
Mas foi aprovada também uma subemenda de redação acrescentando a proposta ao texto “na forma da lei’. Isso implicará na necessidade de se fazer regulamentação. Ou seja, ainda não podemos considerar que basta pressionar para que a fiscalização coíba a infração da lei.
Nos últimos meses, parlamentares contrários à PEC do Trabalho Escravo, onde se destaca a bancada rural, pressionaram para que a pauta só fosse ao plenário caso uma regulamentação com discussão conceitual pudesse ser aprovada antes.
O senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto de lei para a regulamentação da PEC do Trabalho Escravo, resolveu adotar um conceito parcial de trabalho escravo, mais restrito do que aquele que está no artigo 149 do Código Penal. Uma definição que não é encampada pelo governo federal, mas está alinhada com a bancada ruralista, que exclui condições degradantes e jornada exaustiva da conceituação.
De acordo com a legislação atual, são os seguintes os elementos que determinam o trabalho escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de duas dezenas de pessoas que morreram de tanto cortar cana no interior de São Paulo nos últimos anos), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).
No plano internacional nossa legislação é considerada bastante avançada, pois considera não apenas a liberdade, mas também a dignidade como valores precisam ser protegidos. A privação condições mínimas de dignidade, além da liberdade, é também um elemento de caracterização do trabalho escravo. Para a bancada de ruralistas, o conceito de trabalho escravo se resume ao trabalho forçado e à servidão por dívida, ignorando os outros elementos ligados à dignidade do trabalhador que fazem parte da lei. Parlamentares da bancada ruralista apostam em uma regulamentação restrita que enfraqueça a emenda constitucional e possibilite uma rediscussão do próprio artigo 149 do Código Penal (de 1940 e reformado em 2003 para deixar sua caracterização mais clara). Pois, para eles, o que está em jogo é a propriedade da terra, considerada inviolável por parte dos seus representados – os proprietários rurais. A sua manutenção e concentração é condição fundamental para possibilitar o negócio agropecuário.
Uma batalha de quase duas décadas se completa com a aprovação da PEC. Mas outra, que é garantir que o conceito de trabalho análogo ao de escravo seja mantido, continua não apenas durante a regulamentação da emenda, mas também nos projetos que tramitam com essa intenção no Congresso Nacional. Assim como os e as parlamentares favoráveis a PEC, a CUT entende que não há necessidade de fazer uma regulamentação do conceito de trabalho escravo, tendo em vista a clareza do artigo 149 do Código Penal. Defendemos que seja regulamentado apenas a expropriação.
Essa luta se junta outras que estamos travando em defesa do contrato de trabalho, como um direito básico e universal que deve ser garantido a todos os trabalhadores e trabalhadoras. Essas foram as motivações da mobilização da CUT contra o PL da terceirização (PL 4330), que precarizaria as condições de emprego de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, deixando-os sem a cobertura dos mais básicos direitos sociais e trabalhistas.
Este ano nos posicionamos contra as propostas de criar a figura do contrato de curtíssima duração, que em principio seria para ter vigência durante a COPA, mas que na verdade poderia acabar se tornando permanente e desfigurar mais ainda as condições de proteção e de segurança dos trabalhadores e trabalhadoras, Poderíamos chegar ao tipo de contrato já vigente nos Estados Unidos por exemplo, onde os trabalhadores podem ficar à disposição do patrão por toda uma jornada de trabalho mas só receber pelas horas em que trabalhou. Isso é muito comum na área de bares, hotéis e restaurantes, mas mesmo em áreas de indústria. O chamado “contrato de trabalho picado”.
A SRT, junto com outras Secretarias e principalmente com os ramos, vai estar vigilantes no Congresso para não permitir um retrocesso e essa importante vitória que foi a promulgação da lei proposta pela PEC contra o trabalho escravo. Não há porque regulamentar um conceito tão claro e objetivo, salvo se a intenção for eliminar com restrições esse direito conquistado.
Fonte: CUT