Acabar com a criminalização das rádios comunitárias e passar a tratar esta atividade a partir da ótica dos direitos está entre os maiores desafios da luta em defesa da liberdade de expressão. Esta foi uma das principais reivindicações apresentadas pelas organizações que participaram, no dia 28 de agosto), da audiência pública promovida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC-MP), em São Paulo.
A discussão sobre os desafios e as perspectivas da radiodifusão comunitária no Brasil contou com a participação de entidades como Artigo 19, Abraço (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias), Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias), MNRC (Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Intervozes e Barão de Itararé.
O primeiro debate, Democracia e Radiodifusão: o espaço das rádios comunitárias, começou com a intervenção do representante técnico da Abert. Em menos de 5 minutos, ele disse que as rádios comerciais respeitam as leis e propôs a existência de um espectro separado para alocar as rádios comunitárias. “Não queremos uma relação conflituosa com as rádios comunitárias que estiverem legalizadas”.
Em seguida, a representante do Artigo 19, Paula Martins, fez uma apresentação conceitual sobre liberdade de expressão e como ela é tratada em declarações internacionais, sempre baseada no tripé “buscar, receber e difundir”. Paula mostrou como as várias convenções que tratam do direito à comunicação colocam o papel do Estado com obrigações positivas para garantir a efetivação deste direito através de legislações, do fomento à atividade da comunicação e da fiscalização deste setor.
Com respeito à radiodifusão comunitária, Paula citou como diretrizes a serem seguidas para tratar o tema a Declaração Conjunta de 2007 publicada pelos relatores de liberdade de expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da ONU (Organização das Nações Unidas) que ressaltou a utilidade pública das rádios comunitárias e o dever de se garantir este meio para a comunicação da sociedade. Neste sentido, algumas recomendações foram elencadas, entre as quais a defesa da reserva de espectro para garantir pluralismo e diversidade, acabar com a restrição da potência e do alcance destas rádios.
A representante do Artigo 19 denunciou a prática adotada no Brasil, de criminalização da operação das rádios sem licença. “É uma forma de criminalizar o exercício da liberdade de expressão”. Ela disse que “a lei de 1998 não prevê sanção penal nestes casos, mas sim o ilícito administrativo e esta deveria ser a conduta utilizada. Só que na prática os tribunais tratam a partir da ótica criminal”. Paula apresentou um levantamento realizado pelo Artigo 19 que em 2012 havia 2.113 processos penais contra rádios comunitárias, sempre usando o artigo 183 da LGT, de 1997, que tem a sanção mais pesada. Entre os anos de 2009 e 2012 foram abertos 657 processos, sendo que 54% eram criminais. Nenhum deles leva em consideração o papel social das rádios comunitárias e nem o exercício da liberdade de expressão. E nem são considerados os entraves administrativos e burocráticos que levam o Estado a demorar, as vezes décadas, para conceder as licenças solicitas pelas rádios”, explicou Paula.
Alguns casos excepcionais, citados por Paula, mostram que é possível mudar esta abordagem que atenta contra a liberdade de expressão. Uma decisão do STF que negou o processo pelo princípio da insignificância e outra do STJ com base no argumento da ausência da clandestinidade, já que as rádios solicitavam a licença e elas não são concedidas. Também julgamentos favoráveis a rádios feitas pelo TRF da 1ª e 5ª região que consideram que a demora no processamento da licença é uma responsabilidade do Executivo e, portanto, o Judiciário poderia agir para pressionar o Executivo a conceder as licenças em prazos razoáveis e não fechar as rádios.
O representante do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias – MNRC, Ângelo Ignacio, leu uma carta do movimento e reivindicou que as resoluções da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, fossem adotadas pelo governo como políticas publicas e exigiu o fim da perseguição às rádios comunitárias e anistia aos condenados.
Pedro Martins, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias – Amarc, criticou a Abert, “que sempre envia para o debate seus quadros técnicos. Nós queremos fazer o debate do direito humano à comunicação. Se temos uma legislação que atenta contra este direito humano e a liberdade de expressão nós vamos continuar lutando para que esta lei seja revista e não para que ela seja cumprida burocraticamente”, afirmou se referindo à exigência, por parte do representante da Abert, de que todos cumprissem a lei.
“Existem hoje no Brasil, mais de 10 mil organizações praticando radio comunitária e apenas 4600 rádios outorgadas. Ou seja, temos mais rádios não outorgadas do que outorgadas e isso representa um déficit de como a nossa legislação não dá conta da demanda da liberdade de expresão no país”, disse Pedro.
Ele considera que houve um avanço com o Plano Nacional de Outorgas para que todo município pudesse ter pelo menos uma rádio comunitária, mas isso ainda é muito insuficiente e, na avaliação do representante da Amarc, não dá conta da realidade. Ele lembrou que o último aviso para habilitação de novas rádios, para a cidade do Rio de Janeiro, aconteceu em 2010. “Ou seja, uma cidade do tamanho do Rio não tem abertura de outorga desde 2010, o que coloca inúmeras rádios na ilegalidade, como no caso da Rádio Santa Marta que foi fechada por funcionar sem outorga em 2012, sendo que ela nem teve a oportunidade de fazer a sua solicitação”.
Pedro disse que é preciso alterar as leis que regem a radiodifusão no país e mencionou os enormes recursos públicos que sustentam as tevês e rádios comerciais: “Cerca de 75% das verbas publicitárias do governo vão para estas emissoras, enquanto a radiodifusão comunitária não pode receber nenhum centavo”. Para ele, o movimento social deve se articular e buscar as assinaturas para o Projeto de Lei da Mídia Democrática (PLIP) como forma de combater a concentração e o monopólio da comunicação.
José Soter, da Abraco, criticou a ausência do Ministério da Comunicação e disse que “as rádios comunitárias vivem sob um cerco absoluto, que vem de todos os lados: do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, da Aberta, do Ecad e da Anatel”, listou. Para ele, o PLIP também uma alternativa importante para a luta por democracia no setor.
“O Executivo”, disse, “trabalha com rigor máximo para a interpretação das regras e nas exigências feitas às rádios comunitárias. Coisas que não vemos se repetido em outros setores do ministério responsável pela concessão das outorgas das emissoras comerciais”. Esse quadro, em sua avaliação, denuncia como há dois pesos e duas medidas para se tratar o tema.
No caso do Legislativo, Sóter se referiu às dezenas de projeto que tratam do assunto e que ficam vagando nas comissões, sem pareceres e sem propostas que atendam aos interesses da sociedade. Ele falou ainda da criminalização promovida pelo Judiciário, com apoio da Anatel e Abert e da caixa preta que se constitui o Ecad, através do recolhimento dos direitos autorais.
A audiência foi transmitida ao vivo e em breve estará disponível na integra do canal de vídeos do Ministério Público (http://www.tvmpf.mpf.mp.br)
Fonte: Barão de Itararé